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Trovadorismo (1189 a 1418) - Parte 2

  • campusaraujo
  • 24 de mai. de 2023
  • 5 min de leitura

Atualizado: há 1 dia



Contexto histórico do Trovadorismo


Na postagem anterior destacamos o Trovadorismo e o seu contexto histórico, dominado pelo teocentrismo e pelo feudalismo. Falamos também sobre o Trovadorismo em Portugal. Vamos agora tratar das cantigas trovadorescas e seus autores mais importantes.


A requintada população da Provença caracterizava-se pelos ideais de vida burguesa, procurando viver de modo mais ameno possível, sem mesmo se notar uma diferença marcante entre o fidalgo e o burguês.


Para tanto, contribuíam a divisão racional da propriedade e o afrouxamento dos laços de dependência feudal, o que propiciava o aparecimento de forte individualismo, significando isso, na Idade Média, um choque com os princípios da Igreja, pois representava uma concepção de vida oposta às doutrinas ortodoxas. Ademais, vale ajuntar que o clero, no Sul, não possuía a mesma força dos religiosos do Norte, pois estava submetido aos senhores feudais. Audemaro Taranto Goulart e Oscar Vieira da Silva.


Cantigas trovadorescas


Cantiga Trovadoresca é a denominação concedida aos textos poéticos da primeira época medieval e que fizeram parte do movimento literário do Trovadorismo. Em geral, eram músicas cantadas em coro e, por isso, receberam o nome de cantigas.


A poesia trovadoresca possui uma tendência lírico-amorosa e outra satírica. Na primeira, predominam os temas do sofrimento amoroso e da saudade. Na segunda, são feitas críticas a pessoas ou costumes, algo bastante ousado em uma época de repressão ao livre pensamento.


Cantigas líricas


Vimos na postagem Gêneros literários e escolas literárias que o termo lírico recebeu esse nome, pela referência à lira, instrumento musical que acompanhava a declamação de poesias na Antiguidade. Inclui os textos poéticos de caráter sentimental que revelam as emoções do autor.


É caracterizado pela função poética da linguagem e pelo uso de palavras no seu sentido conotativo (sentido dado a uma palavra em função de seu contexto, que não corresponde ao seu significado literal) com predominância da primeira pessoa do singular (eu).


São textos breves porque não apresentam enredo e sim a exteriorização do mundo interior do poeta, o eu lírico, também chamado de sujeito lírico ou eu poético, não se refere ao autor do texto (pessoa real) por ser uma entidade fictícia (feminina ou masculina).


É uma criação do poeta, que faz o papel de narrador ou enunciador do poema. O eu lírico representa a "voz da poesia".

As cantigas líricas possuem dois ramos: as cantigas de amor, cujo tema é o sofrimento amoroso, e as cantigas de amigo, que cantam a saudade do ser amado. Vamos a elas!

Cantigas de amor

São escritas na primeira pessoa do singular (eu). Nelas, o eu poético, ou seja, o sujeito fictício que dá voz à poesia, declara seu amor a uma dama, tendo como pano de fundo o formalismo do ambiente palaciano. A confissão amorosa é direta e o trovador comumente se dirige a ela, chamando-a de “mia senhor” ou “mia senhor fremosa” (minha senhora ou minha formosa senhora). O apaixonado, geralmente acometido pela coita, a dor amorosa diante da indiferença da amada, é servo e vassalo de sua adorada e expressa seu amor com insistência e intensidade.


Mesura seria, senhor, de

vos amercear de mi, que vós em

grave dia vi, e em mui grave

voss'amor, tam grave que nom

hei poder d'aquesta coita mais

sofrer de que muit'há fui

sofredor.


Pero sabe Nostro Senhor

que nunca vo-l'eu mereci.

mais sabe bem que vós servi,

des que vos vi, sempr'o melhor

que nunca pudi fazer; por

em querede-vos doer de mim,

coitado pecador.

[...]

(D. Dinis, em Cantigas de

D. Dinis, B 521b, V 124)

Mesura: "cortesia"

Senhor: "senhora". Os sufixos terminados em "or" não possuíam flexão feminina.

Amercear: "compadecer-se, sentir compaixão".

Grave: "difícil, infeliz".

Nessa cantiga, o trovador espera que a dama tenha a cortesia de sentir compaixão por ele. Sofrendo, diz que foi infeliz o dia em que a conheceu e mais infeliz ainda o amor que por ela sentiu, tão difícil que não pode mais sofrer da coita, pois que há muito é sofredor. Sabe Deus que ele nunca mereceu esse sofrimento, sabe Deus que ele sempre ofereceu à dama o seu melhor e diz que ela é que quer vê-lo padecer, coitado pecador.


As cantigas de amor surgiram entre os séculos XI e XIII, influenciadas pela arte desenvolvida na região da Provença, no sul da França. A influência do lirismo provençal foi intensificada com a chegada de colonos franceses na Península Ibérica e que foram lutar contra os mouros (árabes) ligados à Provença. Destaca-se também o intenso comércio entre a França e a região ocidental da Península Ibérica, alcançando o Atlântico Norte.


Nesse contexto, surge o "amor cortês", baseado num amor impossível, onde os homens sofrem de amor por desejarem mulheres da corte, geralmente casadas com nobres. Essa concepção é mais intensa na voz dos trovadores de Portugal e da Galiza (comunidade autônoma espanhola situada no noroeste da Península Ibérica, onde antigamente se situou a Galécia e o Reino da Galiza).


Esses trovadores não se limitam a imitar, mas a "sofrer de maneira mais dolorida".

Como, você pode estar se perguntando, o trovador assumia essa posição de submissão diante da mulher se na Idade Média, a mulher ainda ocupava um lugar inferior na escala social?


A resposta é dada pelos estudiosos da literatura Audemaro Taranto Goulart e Oscar Viera da Silva: no Sul da França (Provença), entretanto, a situação da mulher era diferente (da situação da mulher do Norte da França): a lei lhe conferia igualdade jurídica com o homem, evidenciada no fato de ela herdar, possuir bens, e poder, depois de casada, dispor deles sem que fosse necessário o consentimento do marido. Como se vê, a nova civilização possuía um ideal feminista, que vai ser representado nas Cantigas de Amor pela sujeição amorosa do homem, pela submissão imposta pelo desejo e imposição femininos.

Cantigas de amigo

São escritas na primeira pessoa do singular (eu) e, geralmente, apresentadas em forma de diálogo. O trabalho formal é mais apurado em relação às cantigas de amor. Originam-se do sentimento popular e na própria Península Ibérica.

Oy eu, coytada, como vivo em gran

cuydado por meu amigo que ey

alongado! Muito me tarda

o meu amigo na Guarda.


Oy eu, coytada, como vivo em

gran desejo por meu amigo que

tarda e non vejo! Muyto me

tarda o meu amigo na Guarda.


(D. Sancho I ou Alfonso X

[autoria duvidosa], Cancioneiro

da Biblioteca Nacional, B 456)

(D. Sancho I ou Alfonso X - [autoria duvidosa], Cancioneiro da Biblioteca Nacional, B 456)


Nessa cantiga, verifica-se que a donzela também sofre as penosas dores do amor, da distância entre ela e o amado, oficial da guarda, que há muito não vê. Percebemos, entretanto, que o discurso amoroso é mais sutil, não é dirigido diretamente ao rapaz; trata-se de um lamento de saudade.


Nelas, o eu poético é feminino, mas seus autores são homens. É a dama quem expõe seus sentimentos, sempre de maneira discreta porque, no contexto provençal, o valor mais importante de uma mulher é a discrição. A donzela dirige-se por vezes à sua mãe, a uma irmã ou amiga, ou ainda a um pastor ou alguém que encontre pelo caminho.


Essa é a principal característica que as diferencia das cantigas de amor, onde o eu lírico é masculino. O ambiente descrito nas cantigas de amigo é a zona rural e não mais a corte. Os ambientes envolvem mulheres camponesas, característica que reflete a relação dos nobres com as plebeias. Esta é, sem dúvida, uma das principais marcas do patriarcalismo da sociedade portuguesa.


As sete categorias de cantigas de amigo


  1. Albas – cantam o nascer do Sol

  2. Bailias – cantam a arte da dança

  3. Barcarolas – de temática marítima

  4. Pastoreias – de temática bucólica

  5. Romarias – de celebração religiosa

  6. Serenas – cantam o pôr do Sol

  7. De pura soledade – não se enquadram em nenhum dos temas anteriores


Cantigas satíricas


Apresentam, em geral, uma crítica indireta e irônica. Costumam ironizar ou difamar determinada pessoa. Demonstram também a ousadia do trovador ao criticar a sociedade da época, em que o livre pensamento era combatido pela Igreja. São dois os tipos de cantigas satíricas: as cantigas de escárnio e as cantigas de maldizer.


Cantigas de escárnio


São mais irônicas e trabalham sobretudo com trocadilhos e palavras de duplo sentido, sem mencionar diretamente nomes. São críticas indiretas: é um "mal dizer" de maneira encoberta, insinuada.


Ai dona fea, fostes-vos queixar

que vos nunca louv' en[o] meu cantar,

mais ora quero fazer um cantar

em que vos loarei todavia;

e vedes como vos quero loar:

dona fea, velha e sandia!

Dona fea, se Deus mi perdom,

pois havedes [a]tam gram coraçom

que vos eu loe, em esta razom

vos quero já loar todavia;

e vedes qual será a loaçom:

dona fea, velha e sandia!

Dona fea, nunca vos eu loei

em meu trobar, pero muito trobei;

mais ora já um bom cantar farei

em que vos loarei todavia;

e direi-vos como vos loarei:

dona fea, velha e sandia!


João garcia de Gilhade, Cancioneiro da Biblioteca Nacional, B (1485 V 1097)

Nessa cantiga de escárnio, o trovador responde a uma dama que se teria queixado de nunca ter recebido dele nenhuma trova. Irônico, ele diz que fará, então, uma cantiga para louvá-la, chamando-a "dona feia, velha e louca [sandia]".


Cantigas de maldizer


São aquelas em que os trovadores apontam direta e nominalmente o alvo de suas sátiras, de forma propositalmente ofensiva e fazendo uso de termos de baixo calão, como palavrões, pois o intuito é mesmo agredir alguém verbalmente.


Cantiga a dona fremosa do Soveral, de Lopo Lias

A dona fremosa de Soveral ha de

mí dinheiros per preit'atal que

veess'a mi, u non houvess'al, un día

talhado a cas de Don Corral; e é

perjurada, ca non fez en nada e

baratou mal, ca desta vegada

será penhorad'a que dobr'o sinal.


A dona fremosa de Soveral ha de

mí dinheiros per preit'atal que

veess'a mi, u non houvess'al, un día

talhado a cas de Don Corral; e é

perjurada, ca non fez en nada e

baratou mal, ca desta vegada

será penhorad'a que dobr'o sinal.

Se n'ela crever, cuido-m'eu,

dar-lh'-hei o melhor conselho que

hoj'eu sei: dé-mi meu haver

e gracir-lho-hei; se mi o non

der, penhorá-la-hei: ca mi o

ten forçado, do corp'alongado,

non lho sofrerei; mais, polo meu

grado, dar-mi-á ben dobrad'o

sinal que lh'eu dei.


Principais autores do Trovadorismo

Portugal

O rei D. Dinis (1261-1325) – foi um grande incentivador que prestigiou a produção poética em sua corte. Foi ele próprio um dos mais talentosos trovadores medievais com uma produção de 140 cantigas líricas e satíricas.


Paio Soares Taveirós – foi um trovador da primeira metade do século XIII. Vinha de origem nobre, é autor da cantiga de amor A Ribeirinha, que é considerada a primeira obra em língua galaico-portuguesa.



Espanha


D. Afonso X – considerado o grande renovador da cultura peninsular na segunda metade do século XIII. Ele mesmo escreveu muitas composições em galaico-português que ficaram conhecidas como Cantigas de Santa Maria.

Martim Codax, Nuno Fernandes Torneol, Paio Gomes Charinho.


França


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